Erros de português eliminam candidatos e atrapalham relações no trabalho
Na era da internet, “vc sabe q escrever um txt 100 cuidado é comum”. Num país em que pouco se lê, o domínio da língua fica num segundo plano. O resultado, como não poderia ser diferente, são erros crassos de português, também no mundo corporativo, onde, em tese, estão as cabeças mais iluminadas e as pessoas com mais anos de estudo. E algumas empresas costumam ser severas com quem não têm o português correto na ponta da língua e do lápis. A Ultracenter, empresa de contact center, já eliminou uma candidata por essa razão. Uma advogada que pleiteava uma vaga na companhia, em um teste escrito, escreveu as palavras ‘lojista’, ‘jiló’ e ‘jerimum’ com ‘g’, ‘alto-falante’ com ‘u’, e ‘auditivo’ com ‘l’. Sabe onde ela está hoje? Bem longe da Ultracenter.
Dizer que erros de Português são mal-vistos e demonstram falta de preparo ou pouca informação é óbvio, mas é comum ouvir casos de profissionais que quase perderam oportunidades de negócios por descuido com a língua-mãe. O editor da revista Língua Portuguesa, Luiz Pereira Júnior, diz que a noção de erro no mundo corporativo não está ligada apenas ao deslize ortográfico, mas também à falta de clareza no momento de se comunicar. Assim, erros grosseiros como “para mim falar” (na comunicação verbal), ou “o relatório estar concluído” (na escrita) agregam valor negativo ao currículo.
“Dominar o Português tem um peso de 90% nas avaliações de pessoas feitas na Ultracenter”, explica Cláudia Ribeiro, responsável pela área de RH da empresa. Como a companhia gerencia os call-centers de empresas como Telefônica, Casas Bahia e UOL, o contato com clientes de diferentes níveis exige um bom conhecimento do vernáculo. Cláudia destaca não apenas a importância de não falar ‘errado’, mas também de “saber minimamente sobre o que você está falando”, diz.
É constrangedor ouvir um profissional que discursa de forma incorreta, mas se a falha acontece durante a entrevista de emprego, é melhor começar a procurar outro processo seletivo. Segundo o sócio-gerente da Eigenheer & Associados, Frederico Eigenheer, em uma entrevista a capacidade de se comunicar adequadamente, respeitando as normas da língua, é um diferencial em relação a um candidato que não conhece o idioma.
Para Eigenheer, o cuidado com a comunicação demonstra qual o grau de capacidade de atualização de um profissional, pois é por meio dela que as pessoas adquirem conhecimentos e informações para suas vidas. “Se uma pessoa não domina a linguagem, ela não domina a comunicação e tem uma deficiência maior para aprender coisas novas”, explica.
Além da fala, o processo de comunicação também contempla a escrita. Escrever é, também, uma maneira de documentar um fato. Assim, comunicados mal-escritos, cartas com erros e e-mails repletos de abreviações demonstram a falta de propriedade sobre a língua. A coordenadora de Português do Colégio Bandeirantes, Izete Torralvo, explica que o texto requer um nível maior de calma para ser construído e interpretado que a linguagem oral.
Falhas n@ rede
A popularização do uso dos e-mails como ferramenta de negócios acabou agravando, também, as falhas de comunicação. Segundo o consultor e autor do livro “E-mail que Funciona!”, da Editora Nobel, Fernando Andrade, é comum a circulação de mensagens cheias de ofensas à gramática e idéias mal-exploradas. “As pessoas tendem a achar que a comunicação pela internet é mais leve e descompromissada, mas é importante deixar claro que ela exige o mesmo grau de preocupação que a conversação presencial”, explica o consultor.
Andrade diz que está acostumado a ir a empresas para ministrar palestras e encontrar casos em que um texto mal-elaborado causou desentendimentos na equipe. Um deles foi o de um chefe que mandou um e-mail para todos os subordinados com a mensagem: “eu já falei com você: esse não é um procedimento bom para a nossa empresa”. O problema foi que faltou um ‘s’ no ‘você’ e cada um dos destinatários se sentiu individualmente atacado.
Para evitar constrangimentos, o autor ensina que o e-mail enviado com assuntos profissionais deve ser mais formal e sempre revisado. Também é preciso manter o cuidado com a grafia e evitar as abreviações. “Um erro de gramática desvaloriza a imagem de quem envia o documento”, diz o autor.
Apesar do descuido com escritos que circulam pela Internet, para pessoas como Izete, por exemplo, a popularização do veículo é um ponto positivo para o Português porque estimula as pessoas a escrever, ação que demanda mais esforço crítico que a fala. Quanto ao uso do internetês (linguagem criada por alguns usuários da rede, com muitas abreviações e gírias), há quem o dispense, como o consultor, ou quem ache que ele não é prejudicial “desde que as duas partes que estão se comunicando dominem essa grafia”, como o jornalista Luiz Pereira.
Educação de base
Se falar e escrever bem são fundamentais, então por que tantos profissionais continuam a escorregar feio no idioma? O ensino basal é um bom ponto de partida para entender a situação. Segundo Izete, os jovens têm uma idéia de que dominar o Português pode ser um fator importante para suas carreiras, mas essa preocupação só costuma surgir após uma certa idade. “Quando se é muito jovem nem se pensa ainda na profissão. Já os alunos que estão no fim do ensino médio tendem a refletir sobre isso apenas mais adiante”.
Se antes o ensino da língua era baseado em decorar termos, a coordenadora mostra que os métodos mudaram e que a ênfase, hoje, é na interpretação do que se lê e escreve. “O que importa é o desenvolvimento de idéias e o uso aplicado da gramática”, sintetiza. A notícia é boa porque dota os profissionais de amanhã de mais ferramentas para desenvolver uma comunicação melhor. Para se interpretar bem um texto também é preciso ter um conhecimento amplo da realidade, o que obriga a atualização constante.
O problema é que não há uma receita mágica para melhorar o nível de acuidade do Português no caso de um profissional que teve um ensino deficitário. A empresa que possui alguém com esse perfil em seu quadro pode investir em treinamentos, conforme explica Eigenheer, mas a saída mais recomendada é estimular a leitura constante. Esta iniciativa deve partir do próprio colaborador, no entanto, pode ser fomentada pela companhia por meio da promoção de clubes de leituras, por exemplo.
Rever os próprios textos evita erros outrora despercebidos e não se expor a público com uma dúvida impede a ocorrência de situações constrangedoras. Tanto para um profissional quanto para qualquer pessoa, “a pressa é inimiga no processo de comunicação tranqüila. A questão do idioma é muito mais ampla do que o erro de português”, conclui o jornalista.
Aprender português online
Para ajudar os estudantes que pleiteiam uma vaga no mercado de trabalho por meio de estágios, o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) de São Paulo criou o curso à distância de Atualização Gramatical. De acordo com Rosa Simone, coordenadora do Programa de Educação à Distância do Centro, “falar e escrever sem erros faz toda a diferença” para o profissional. Em sua opinião, o domínio da língua cria uma “imagem positiva em relação à pessoa, já que denota o cuidado com leituras freqüentes e com a ampliação do conhecimento”, explica.
O número de participantes do curso só ratifica a importância da atualização profissional: desde a sua criação, em outubro de 2005, 16.575 pessoas já passaram pelas salas de aula virtuais do CIEE. Por meio de avaliações coletadas pelo órgão, os alunos contam que conseguiram colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo do treinamento e difundiram algumas informações sobre a língua para outras pessoas, como amigos e professores.
Para Rosa, a habilidade de escrever corretamente está ligada à capacidade de se comunicar, um diferencial importante para o estudante que almeja uma vaga em alguma empresa. Apesar de não dispor de nenhuma pesquisa oficial sobre qual a impressão das companhias a respeito de seus colaboradores, a coordenadora explica que os gestores costumam falar em conversas informais que “realmente existe uma grande dificuldade no uso da língua portuguesa no dia-a-dia”.
As aulas de Atualização Gramatical são ministradas gratuitamente no site do Centro (www.ciee.org.br), onde também podem ser efetuadas as inscrições. O conteúdo programático deve ser concluído em até uma semana (tempo limitado pelo sistema do portal CIEE) e a carga horária é de três horas.
Vai uma ajuda aí?
Errar não precisa ser feio, ao contrário, pode ser uma boa forma de se aproveitar a oportunidade para aprender. Como em todas as situações, até nos erros há um agravante e um atenuante. A propósito, agravante e atenuante são palavras femininas, ou seja, fala-se “uma agravante” e “uma atenuante”. Entendeu?
É fácil aprender quando a língua é usada de maneira prática. Por exemplo, você é daqueles que fala “Todo o mundo vai à festa”? Então trate de fazer a festa em um local bem amplo, porque falando assim, você está dizendo que o mundo inteiro (leia-se todos os habitantes da Terra) irá à festa. O correto, neste caso, é falar “todo mundo”.
E a bendita crase? A bandida vira mocinha se você entender que crase significa ‘união’ e que, na língua, ela acontece quando um verbo solicita uma preposição e a próxima palavra pede um artigo. Complicou? Então veja como é fácil. Na frase “Ele vai à festa”, temos o verbo ‘ir’ (quem vai, vai a algum lugar) e o substantivo ‘festa’ (a festa). Quando o ‘a’ de ‘ir’ se une ao ‘a’ de ‘festa’, acontece a crase. De outra maneira, você teria que falar “Ele vai a a festa”.
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